Por David Alves Gomes
Bem, com certeza quando perdemos algum ente querido em um latrocínio, por exemplo, e quando sabemos que o culpado foi um adolescente, podemos ter a sensação de impunidade, já que o ele não ficará tanto tempo em cárcere. Contudo, o Estatuto da Criança e do Adolescente não torna impune o menor infrator, prevendo-lhe sanções como reclusão ou medidas socioeducativas. Então, é necessário que questões sociais sejam analisadas de forma sóbria: sem o ódio e o rancor dos ditos “marginais” e sem a pieguice fomentada pela grande mídia ao mostrarem mais uma vítima branca e de classe média. Antes que eu seja apedrejado pelos leitores, ressalto que essa minha última observação refere-se a um fato frequente na elite midiática: em sua maioria, as vítimas exibidas são brancas e de classe média a alta. Será que os negros das periferias também não sofrem violência urbana? O espetáculo da grande mídia costuma apenas colocá-los do outro lado do seu show; mas voltemos à questão principal: com certeza deve-se ter muito respeito para com os familiares e amigos das vítimas, mas é necessária uma análise mais profunda e além das emoções.
Nas sociedades ocidentais capitalistas, é um hábito a
individuação do sujeito e das suas ações para a solução dos problemas. O
indivíduo é o único responsável por seus atos, aliviando, dessa forma, o Estado
de suas obrigações. No entanto, ao responsabilizarmos somente o indivíduo, não
estamos contemplando as questões sociais e as suas influências no
desenvolvimento e na manutenção da criminalidade. Não há dúvidas de que o menor
infrator deve ser punido pelo seu crime (seja com medidas socioeducativas, seja
com a reclusão), mas as responsabilidades do Estado com ações (além das
repressivas) que minimizem a violência não podem ser esquecidas.
Tem sido assunto de grande polêmica nos últimos dias, em virtude de a
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal ter aprovado a admissibilidade
da PEC que propõe a redução da maioridade penal brasileira, atualmente de
dezoito anos, para dezesseis anos de idade. Essa seria uma das soluções para a
redução da criminalidade no Brasil?
Bem, com certeza quando perdemos algum ente querido em um latrocínio, por exemplo, e quando sabemos que o culpado foi um adolescente, podemos ter a sensação de impunidade, já que o ele não ficará tanto tempo em cárcere. Contudo, o Estatuto da Criança e do Adolescente não torna impune o menor infrator, prevendo-lhe sanções como reclusão ou medidas socioeducativas. Então, é necessário que questões sociais sejam analisadas de forma sóbria: sem o ódio e o rancor dos ditos “marginais” e sem a pieguice fomentada pela grande mídia ao mostrarem mais uma vítima branca e de classe média. Antes que eu seja apedrejado pelos leitores, ressalto que essa minha última observação refere-se a um fato frequente na elite midiática: em sua maioria, as vítimas exibidas são brancas e de classe média a alta. Será que os negros das periferias também não sofrem violência urbana? O espetáculo da grande mídia costuma apenas colocá-los do outro lado do seu show; mas voltemos à questão principal: com certeza deve-se ter muito respeito para com os familiares e amigos das vítimas, mas é necessária uma análise mais profunda e além das emoções.
Por Carlos Latuff. Fonte: www.ujs.org.br |
Você pode estar dizendo: “Esqueçamos as ideologias! Vamos para a
prática!”. Digo-lhe que nem eu, nem ninguém nunca esqueceremos as ideologias,
visto que todo discurso político está amparado por algum pensamento ideológico.
Mas vamos à prática: a redução da maioridade penal no Brasil é a solução, ou
uma das soluções, para o problema da criminalidade brasileira? Bem, é sabido
que apenas 10% dos crimes cometidos no Brasil possuem autoria de jovens menores
de dezoito anos, sendo somente 1% de homicídios cometidos por adolescentes neste país. Assim, se formos nos ater a questões estritamente pragmáticas
e repressivas, talvez seria um pouco mais eficaz o aumento no período das penas
para aqueles que são maiores de dezoito anos. Mas será, também, essa a solução?
As mesmas sociedades ocidentais e capitalistas, além de individuar o
sujeito social, reduzindo a causa da criminalidade a apenas desvios de caráter,
costumam apresentar soluções imediatistas. Aliás, tais soluções isentam, de
certa forma, as responsabilidades sociais de cada um. A clausura dos infratores
configura-se numa espécie de segregação daquilo que não é conveniente à
sociedade. Não convém à sociedade brasileira, ou pelo menos às classes
dominantes, combater as raízes da violência.
A desigualdade social, diferentemente de pobreza, é
uma das grandes causadoras da violência urbana. Não há dúvidas de que a intensa
concentração de renda, atrelada à valorização do consumo por esta sociedade,
representa uma grande influência para a construção e a reprodução da
criminalidade brasileira. A má qualidade da educação pública, como
possibilidade frustrada de ascensão social, também consiste em um dos fatores
de fomento. Além disso, a desestruturação familiar, causada pela precariedade de recursos, também possui grande
destaque para a formação da criminalidade. Isso pode ser
compreendido por motivos sócio-históricos que se perpetuam, dentre eles a
deficiência na educação básica, a necessidade dos jovens em trabalhar desde cedo e, assim, deixarem ou não frequentarem a escola, e a precariedade na subsistência dos filhos. Juntamente a tudo
isso, a questão do tráfico de drogas corresponde a um fator importante para a cooptação desses jovens para o caminho da violência. Em paralelo, as políticas públicas
para a redução da violência só são perceptíveis através dos aparelhos
repressivos do Estado: a Polícia e o Judiciário; sendo bastante questionável a
ressocialização do ex-detento com as constantes superlotações dos presídios e
inúmeros outros problemas de direitos humanos que demonstram a intensificação da violência causada
pela falência do sistema carcerário brasileiro. Toda a conjuntura exposta neste
parágrafo não pode ser simplesmente desconsiderada para a análise dos quadros
da violência.Cela superlotada. Fonte: www.unitoledo.br |
Considerando a maioria das pessoas existentes nos presídios brasileiros e
desconsiderando toda a conjuntura social acerca da violência através da
individuação do sujeito, temos o perfil do criminoso no imaginário brasileiro: negro, pobre
e periférico. Além do alto número de execuções sumárias de jovens negros das
periferias, camuflados pelos “autos de resistência”, as celas brasileiras estão
lotadas em sua maioria por pessoas negras, demonstrando uma face do racismo
institucional brasileiro que viola com facilidade a humanidade e a liberdade da
população negra. Dessa forma, a redução da maioridade penal, além de não
resolver o problema da violência urbana, ao mascarar suas reais causas,
contribui para a manutenção de um Estado racista e elitista. Os casos de
criminosos brancos e pertencentes à elite social geralmente são vistos até de
maneira exótica pelo senso comum: “Olha só, ninguém diz que são bandidos ‘né’?
Rapazes de ‘boa aparência’, nem precisam e estão roubando”. A possível solução
para a violência urbana provavelmente culminaria na dissolução do atual sistema
segregacionista e racialista: o investimento na educação básica, um aumento
significativo na distribuição social da renda e políticas de inclusão social e
racial. Você pode dizer: “Ah! Isso demoraria muito! Precisamos de soluções
urgentes!”. Com certeza não conseguiremos resolver a curto prazo algo que foi
construído, e constantemente reproduzido, historicamente. Contudo, tais medidas
apresentam-se como soluções mais eficazes, pois combatem radicalmente as causas
da criminalidade.
Finalizando, lembro do poeta e dramaturgo alemão
Bertolt Brecht, o qual possui uma célebre frase: “Pergunte sempre a cada ideia:
a quem serves?”. Então, tenho estas perguntas: a quem serve a redução da
maioridade penal? A quem serve a individuação do sujeito? A quem serve a
abdicação do Estado em solucionar os problemas sociais? A quem serve o Estado
racista e elitista? E por fim, a quem serve a sua opinião formada sobre este
texto?
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